Este texto, escrito por André Leal em coautoria com Ricardo Esparta e Karen Nagai, é uma versão ampliada de artigo publicado originalmente pela Revista Opiniões.
Empresas do setor sucroalcooleiro ou aterros sanitários que produzem biometano podem auferir receitas financeiras bastante significativas gerando diferentes tipos de ativos ambientais de descarbonização. É o caso dos Créditos de Descarbonização do programa federal Renovabio (conhecidos como CBIOs), dos Certificados de Energia Renovável (os RECs, de Renewable Energy Certificate) ou dos créditos de carbono gerados por Redução Verificada de Emissões de Gases do Efeito Estufa (os VERs, ou Verified Emission Reductions). Entretanto, a sobreposição indiscriminada desses atributos ambientais pode gerar dupla contagem, comprometendo seu valor para compradores que buscam nesses ativos a redução, abatimento ou mitigação de suas próprias emissões dos gases de efeito estufa. Antes de apontar soluções para esse problema, é importante ter claras as características de cada um desses ativos ambientais.
Em primeiro lugar, vamos entender o que são os CBIOs. O Renovabio é um programa do Governo Federal de incentivo aos produtores de combustíveis oriundos de fontes renováveis, como etanol, biodiesel e biogás. As empresas que produzem combustíveis desse tipo podem emitir certificados chamados de CBIOs. A cada tonelada de carbono equivalente (tCO2e) que a produção e consumo desse combustível limpo deixa de jogar na atmosfera, comparativamente ao petróleo, por exemplo, é emitido um certificado atestado pela Agência Nacional de Petróleo. As empresas interessadas em compensar ou neutralizar suas emissões podem então adquirir esses certificados. O Renovabio cria um ambiente regulado, onde as distribuidoras de combustíveis fósseis são obrigadas a adquirir CBIOS. Para participar do programa, os produtores de combustíveis renováveis devem cumprir três etapas. A primeira, é preencher o Renovacalc, um formulário extremamente detalhado sobre sua operação, para a avaliação da ANP, já que o certificado avalia não apenas a quantidade de combustível produzido, bem como a eficiência energética e a “limpeza” do processo produtivo do ponto de vista de emissão de gases do efeito estufa. A segunda, é contratar uma auditoria independente para validar os dados inseridos na Renovacalc, exigência da ANP para que o produtor possa emitir os CBIOS. Em terceiro e último lugar, o produtor de combustível deve procurar uma distribuidora de títulos e valores mobiliários para custodiar e contabilizar seus certificados, de maneira que eles possam ser comercializados em ambientes de balcão de bolsa de valores, como acontece na B3. A BlockC auxilia os produtores de combustíveis renováveis em cada passo desse processo, do preenchimento da Renovacalc, passando pela contratação de auditoria independente, até o acordo de custódia com distribuidoras de títulos e valores mobiliários.
Em segundo lugar, vamos entender o que são os Certificados de Energia Renovável (os RECs, de Renewable Energy Certificate), no caso, os BioREC, os Certificados de Energia Renovável do Biometano gerados no processo produtivo do setor. Esses papéis atestam a garantia de origem renovável do biometano gerado, permitindo sua rastreabilidade, de forma a garantir que não seja oriundo de combustíveis fósseis. Esta garantia de origem do atributo renovável não é um instrumento obrigatório. Dependendo da forma de comercialização, o certificado pode ser negociado separadamente do “produto energia”, ou, relacionando-se a geração da energia ao consumo desta energia. Em casos de geradores e consumidores não-conectados aos gasodutos, por exemplo, o modelo de análise é mais complexo, havendo a necessidade de regras de operacionalização. A BlockC desenvolve essas análises em todos os cenários, garantindo a rastreabilidade do biometano gerado.
Em terceiro lugar, os créditos de carbono gerados por Redução Verificada de Emissões de Gases do Efeito Estufa (os VERs, ou Verified Emission Reductions) são emitidos a partir de um conjunto de atividades implementadas para reduzir as emissões. Essas emissões são monitoradas, verificadas e credenciadas por uma auditoria independente, e aprovadas por um programa de redução de emissões que pode ser regulado ou voluntário. Cada programa possui seus próprios critérios de elegibilidade, prazos de implementação, cronogramas de funcionamento, procedimentos de verificação, registro e emissão, dentre outros. Independente do programa, toda redução de emissão deve ser comprovada em comparação a um cenário de referência, que é chamado de linha de base. Todos os projetos de créditos de carbono devem demonstrar seu impacto positivo por adicionalidade, provando que o projeto é indispensável e que as reduções que ele gera não seriam atingidas sem sua implementação.. A BlockC tem a expertise de elaborar projetos dentro de todos os tipos de programas existentes.
Considerados em conjunto, CBIOs, BioRECs e créditos de carbono VERs são instrumentos de comprovação de atributos ambientais com características e propósitos diferentes. Os créditos de carbono são medidos em tCO2e reduzidas ou evitadas e são baseados em projetos adicionais de redução de emissões. Após o registro, o projeto obterá o certificado dos créditos de carbono após apresentar os resultados obtidos em relatório de monitoramento, preparado de acordo com o plano de monitoramento auditado por uma terceira parte e aprovado pelo programa no qual foi registrado. Já 1 CBIO equivale a 1 tCO2e de emissões evitadas, pela simples comparação entre a diferença de emissões do ciclo de vida da produção do biocombustível e do combustível fóssil substituído (diesel, gasolina, gás natural), conforme exemplo na Tabela 1. Contudo, o CBIO não avalia a adicionalidade, ou seja, se os CBIOs gerados desempenham um papel importante na decisão de produzir o biocombustível. Na realidade, a simples produção do biocombustível e a certificação no Renovabio dá o direito automático à emissão de CBIOs. Como não há avaliação de adicionalidade, não há como afirmar que, de fato, houve uma redução de emissões diferentemente daquilo que ocorreria na ausência do CBIO emitido. Finalmente, os BioRECs são emitidos em unidades comercializadas (m3 ou MMBTU) a partir desta fontes renovável do biogás/biometano, ou seja, não incluem em seu cálculo a redução de emissões, garantindo “somente” a origem renovável da energia gerada.
Assim, quando vistos em conjunto, é claro o potencial de sobreposição de atributos ambientais, já que os três certificados tratam de uma mesma medida: a redução de emissões de gases de efeito estufa. Ao emitir o CER, o produtor recebe créditos relacionados à energia renovável. Ao emitir CBIO para o mesmo período, o mesmo produtor atesta que o biocombustível produzido emitirá menos gases de efeito estufa que o combustível fóssil equivalente. Ao emitir BioREC, embora o produtor não receba créditos por uma substituição de combustíveis, frequentemente a finalidade desse certificado é o abatimento em inventário de emissões do uso energético de um combustível fóssil equivalente.
Na prática, dependendo da forma como estruturado, o risco de dupla contagem poderá ser eliminado, ao se determinar que projetos só serão registrados se assumirem o compromisso de não emitir nenhum outro crédito relativo à redução de emissões. Para tal, será necessária evidência documental. Ou seja, os instrumentos só poderiam coexistir se houver a garantia de que o rastreamento não será utilizado para nenhum fim de compensação ou abatimento de emissões aonde ocorra sobreposição destes atributos ambientais. Segundo cálculos da BlockC, a sobreposição ocorrerá em uma parcela entre 10%-20% do volume do biometano produzido e comercializado. Nossa plataforma, que utiliza a tecnologia blockchain, e na qual todas as evidências documentais de uma operação comercial podem ser capturadas de maneira praticamente automática e em tempo real, permite rastrear com alta granularidade os limites e sobreposições de cada ativo ambiental, eliminando o risco de dupla contagem e assim garantindo a maior valorização desses ativos.
André Leal
Head de Desenvolvimento de Negócios
Atua no segmento de descarbonização desde o lançamento do Protocolo de Kyoto, estruturando projetos de créditos de carbono, sua verificação, validação e registro. Foi gestor de O&M de mais de 200 MW em usinas eólicas, solares e pequenas centrais hidrelétricas. Graduado em economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e mestre em planejamento energético pela COPPE-UFRJ.
Coautores:
Ricardo Esparta
Diretor Técnico Científico
Desde 2000 diretor técnico e sócio fundador do Grupo Ecopart. Desde 2009 membro do “CDM Accreditation Panel” da UNFCCC e desde 2017 membro do “roster of experts” para revisão de inventários nacionais de atualização submetidos à Convenção do Clima. Engenheiro Químico e doutor pela Poli-USP e pesquisador na Universidade de Stuttgart de 91 a 99.
Karen Nagai
Especialista em Carbono
Faz análises técnicas em projetos com potencial de geração de créditos de carbono, além da elaboração de inventários de emissões e outras iniciativas corporativas para redução de emissões. É formada em Engenharia Civil pela Universidade Anhembi Morumbi e em gestão ambiental pela Universidade de São Paulo. Possui especialização em energias renováveis, geração distribuída e eficiência energética pela Escola Politécnica da USP.