Em uma votação histórica para as políticas do clima e energia da Europa, com reverberações em todo o planeta, o Parlamento Europeu aprovou recentemente que alguns projetos de produção e distribuição de gás e energia nuclear possam ser classificados como “verdes”. Essa não é apenas uma questão semântica: a reclassificação libera para esses projetos centenas de bilhões de euros em empréstimos a juros baixos e até mesmo subsídios estatais. Para o CEO da BlockC, Carlos Martins, um dos mais experientes profissionais brasileiros no mercado de créditos de carbono, ativos ambientais e investimentos verdes, a decisão é um choque de realidade no ativismo ambiental. “Infelizmente, não existe substituição imediata do carvão para geração de energia em larga escala que não sejam a energia nuclear ou o gás natural”, afirma Martins.
No centro dessa discussão está o que os legisladores europeus chama de “Taxonomia da União Européia”. Essa classificação de produtos, serviços e atividades econômicas visa orientar o investimento em projetos alinhados com a meta do bloco de cortar pela metade suas emissões até 2030 e ser carbono neutro até 2050. A seguir, ouvimos o CEO da Block sobre os impactos e repercussões da votação.
O que representa a decisão do Parlamento Europeu de incluir gás natural e energia nuclear como fontes “verdes”?
Antes de mais nada, um choque de realidade no ativismo ambiental. Depois de um surto inflacionário global, vários países do mundo estão entrando em recessão, e não faz o menor sentido os países pobres pagarem pelo encarecimento da energia simplesmente porque a Alemanha começou a desligar suas plantas nucleares. Não existe substituição imediata do carvão para geração de energia em larga escala que não seja energia nuclear ou gás natural. Vale um Prêmio Nobel para quem conseguir dar outra solução. As fontes renováveis de energia são intermitentes. Quando não venta, não há geração de energia eólica. À noite ou em dias nublados, não há geração de energia solar. Isso não atrasa a transição energética para as fontes renováveis, simplesmente mostra uma realidade.
Muitos críticos dessa decisão afirmam que abraçar o gás natural neste momento vai favorecer a Rússia. E que energia nuclear é um retrocesso histórico.
O Parlamento Europeu colocou alguns impeditivos para o que a gente chama de lock-in da tecnologia do gás natural. Isso é uma dilatação do prazo originalmente previsto, entre 10 a 15 anos, para que as plantas de gás natural sejam desligadas. Portanto, a decisão não significa abraçar o gás natural, mas adequar a transição energética europeia para a realidade em termos tecnológicos. Já a reação contra o uso da energia nuclear é um resquício do pacifismo hippie. Segundo fontes oficiais do governo japonês, apenas 1 pessoa morreu pelo efeito da radiação direta no acidente de Fukushima, causado, vale lembrar, pelo maior tsunami que atingiu a costa do Japão na era moderna e o segundo maior furacão de todos os tempos. Nuclear é a fonte mais segura em termos de energia gerada. Além disso, segundo a Agência Internacional de Energia, usinas nucleares em operação construidas há decadas já estão amortizadas e portanto fornecem a energia mais barata, custando apenas US$ 30 por megawatt hora. Entretanto, construir novas plantas nucleares na Europa hoje é caro principalmente porque ativistas e políticos decidiram que vão impedir isso a qualquer custo, dentro daquilo que Francis Fukuyama chamou de “vetocracia” da civilização ocidental. Por outro lado, construir usinas nucleares na China e na Coréia do Sul é mais rápido e barato porque esses movimentos não existem por lá.
Ativistas como Greta Thunberg argumentam que essa reclassificação de alguns projetos nucleares e de gás e natural vai atrasar a transição verde na Europa. Você concorda com isso?
Ativistas são muito bons para identificar tendências. Devemos a eles o senso de urgência para lidar com as mudanças climáticas. Mas ativistas são menos efetivos ao propor alternativas para solução dos nossos problemas ambientais. Gosto de usar dados do próprio Painel de Mudanças Climáticas da ONU, o IPCC, maior autoridade no assunto. No assesment report número 5 do IPCC, datado de 2014 do, à página 1.329 tabela AIII-2 é possível ver que, durante todo o ciclo de vida de uma usina nuclear, ela emite 12 quilogramas de CO2 por megawatt hora. Uma usina eólica emite 11 quilogramas de CO2 por megawatt hora. Uma solar, emite 48 e uma usina de gás natural 490. Já as usinas de carvão emitem 820 quilogramas de CO2 por megawatt hora. Se estamos vivendo uma emergência climática e precisamos desligar térmicas a carvão, a energia nuclear é uma alternativa de baixa emissão de CO2 ante todas as fontes fósseis e comparável à energia eólica. Vamos seguir a ciência do IPCC ou não?
Essa decisão afeta a expansão de negócios verdes no Brasil? De que forma?
Essa decisão é boa para o mundo, porque alguém precisa gerar eletricidade na base. Ou seja, fornecer eletricidade quando o vento está fraco ou à noite. Esta decisão coloca a energia nuclear de volta no jogo. Ela não atrasa de forma nenhuma a evolução dos negócios verdes no Brasil, porque ela simplesmente restabelece uma realidade que os ativistas ambientais insistem em tentar negar sem lastro científico e com base em preconceitos.