Ricardo Esparta, chief scientific officer da BlockC, aponta os avanços nas negociações da Convenção do Clima
Você sabia que cerca de 50% de todas as emissões de gases de efeito estufa da queima de combustíveis fósseis e produção de cimento desde 1750 ocorreram a partir de 1992, ano em que a Convenção do Clima da Organização das Nações Unidas foi criada? Infelizmente foi assim que a humanidade reagiu desde que reconheceu de forma multilateral que era preciso agir para evitar mudanças perigosas no sistema climático.
Em mais uma tentativa de que nossas ações correspondam às nossas palavras, representantes de quase duzentos países, ou Partes, como são conhecidos na Convenção do Clima, se reuniram em novembro de 2021 em Glasgow, na Escócia, para mais uma rodada de negociações, a COP26, sobre como enfrentar a situação hoje reconhecida como uma emergência climática.
Ainda que, por enquanto, só palavras, é preciso reconhecer que alguns sinais dão motivos para acreditar que ações mais firmes e ousadas possam acontecer no curto prazo.
O primeiro deles é que a meta, que antes era “limitar o aumento de temperatura até o final do século XXI, em relação à média global pré-industrial, a bem abaixo de 2oC, buscando 1.5oC,” agora ficou simplesmente “não ultrapassar 1.5oC.” Associada a essa meta, confirmou-se a necessidade de que as emissões devem ser reduzidas até 2030 em pelo menos 45%, comparadas com os níveis de 2010.
Um outro sinal é que pela primeira vez os combustíveis fósseis foram explicitamente mencionados com objetivos de redução de consumo e subsídios. Aliás, este quase foi um ponto de ruptura de acordo, que só foi mantido com a suavização da linguagem de “eliminação” (“phase-out”) para “redução” (“phase-down’).
Do ponto de vista de financiamento climático, se reforçou a necessidade de que o compromisso dos países desenvolvidos em mobilizar pelo menos USD 100 bilhões por ano seja cumprido. A promessa anterior era 2020, postergada agora para 2025.
Em uma vitória em grande parte de representantes de crianças, jovens e povos originários, a Convenção do Clima formalmente reconheceu a importância de outros interessados além dos países signatários.
Acordos multilaterais fora da Convenção também tiveram muita repercussão. Estes acordos são trabalhados pelos anfitriões das conferências, no caso da COP26, chamados de Acordos Laterais da Presidência do Reino Unido, em que os organizadores sabem da dificuldade de conseguir consenso, necessário para aprovação no âmbito da Convenção, mas ainda assim com bom potencial de gerar impacto. Entre eles, a presidência da COP26 conseguiu aprovar, entre outros, acordos para:
- Assumir metas de neutralidade de carbono (153 países representando 90% do PIB mundial).
- Terminar ou reverter a perda ou degradação de florestas até 2030.
- Acelerar a transição para o encerramento de produção de veículos a combustão interna e transição para veículos elétricos.
- Redução de 30% das emissões de metano.
- Redução do uso de carvão para geração de eletricidade.
Como meu destaque final para as decisões da COP26, chamo a atenção para o fato de que, cinco anos após a entrada em vigor do Acordo de Paris, sua regulamentação foi aprovada. Boa notícia para, entre outros, o mercado de redução de emissões de gases de efeito estufa, popularmente conhecido como mercado de carbono. Será ainda necessário um tempo para que as regras do artigo 6 do Acordo de Paris, que cria esse mercado, sejam aprovadas e os mecanismos criados entrem em operação. Mas o processo será seguramente mais curto, devido ao conhecimento adquirido, com experiências positivas e negativas, na operação do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Quioto (MDL, 2005-20), que claramente foi a base para os novos mecanismos. Para o MDL foram necessários cerca de cinco anos entre a aprovação das regras e a operação. Para o Artigo 6 acredito que em cerca de 2 anos já teremos operações.
É verdade que não foi a COP dos sonhos dos ambientalistas, que corretamente apontaram que os resultados foram limitados e aquém do necessário para se evitar emergências climáticas irreversíveis. Por outro lado, é importante entender os limites da Convenção do Clima. Por se tratar de um acordo multilateral, compromissos só são adotados se houver consenso. Moro em um edifício com 26 apartamentos e não consigo imaginar uma única decisão que leve a custos para a maioria, além de perdas para alguns, sendo aprovada por consenso. Então, na Convenção do Clima são quase duzentos países, com realidades muitíssimo diferentes. É por isso que tenho como conclusão final de que os resultados da COP26 ainda que insuficientes, são positivos. Ouso dizer, animadores. Agora só depende de nós exigir mais ousadia nos nossos países, onde as palavras de fato se transformam em atos, buscando caminhos para a sobrevivência em uma economia de baixo carbono. Ou a adaptação à emergência climática, se falharmos.