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Para muitos países a trajetória na busca de uma economia menos dependente de emissões de gases de efeito estufa pode ser muito complicada com uma transição de alto custo, mas, para outros, pode ser uma grande oportunidade

 

Ricardo Esparta, Chief Scientific Officer da BlockC

 

Depois da Rio92, ou Conferência sobre o Meio Ambiente do Planeta, organizada pela ONU, reuniões para discutir a questão climática, chamadas de “Conferências das Partes” (“Conference of the Parties” em Inglês, daí a sigla “COP”), começaram a acontecer anualmente desde 1995. Por ter sido o anfitrião da “conferência mãe” desse processo no Rio de Janeiro, e pelo nosso importante papel no equilíbrio climático global, devido às nossas florestas, matriz energética mais limpa do que a maioria dos países e, competente corpo diplomático, o Brasil sempre desempenhou um papel de liderança nesses encontros. 

A vigésima sexta edição das Conferências das Partes, ou COP26, está acontecendo agora em Glasgow, na Escócia. O Brasil é um dos poucos países onde existe muita sinergia entre colaborar com o esforço mundial pela mitigação dos riscos da mudança do clima e criar uma pujante economia mais limpa. Para a maioria das nações, essa trajetória na busca de uma economia menos dependente de emissões de gases de efeito estufa pode ser muito complicada e com uma transição de alto custo. Para uns poucos, caso do Brasil, pode ser uma enorme oportunidade, explico a seguir o porquê.

Para isso, entretanto, precisamos rever alguns princípios da mudança climática que nosso planeta atravessa. O efeito estufa é causado por um fenômeno físico, derivado da propriedade que alguns materiais têm de serem mais transparentes para a luz solar do que para o calor gerado por ela. Assim funcionam, por exemplo, as estufas para a produção de alimentos. A luz do sol penetra facilmente nas superfícies transparentes, e ao incidir nos objetos no interior da estufa, se transforma em calor. O calor gerado lá dentro, porém, atravessa mais lentamente as paredes de vidro de volta para fora, ficando preso lá dentro e aquecendo o interior da estufa. O mesmo ocorre com alguns gases na atmosfera. Esses são os chamados gases de efeito estufa. No nosso planeta, o principal é o dióxido de carbono, CO2, na fórmula química. Sem esses gases a temperatura média da superfície da Terra, que é de aproximadamente +15oC, seria de aproximadamente -20oC, ou seja, teríamos um outro planeta, muito provavelmente com menos formas de vida.

Graças às concentrações relativamente estáveis e adequadas desses gases durante os últimos 10 mil anos e, consequentemente, de uma temperatura amena para o florescimento da biodiversidade nesse período, foi possível a ascensão da civilização humana tal como conhecemos. Nosso desenvolvimento, no entanto, tem exigido cada vez mais energia, a qual, a partir da Revolução Industrial, tem sido obtida principalmente da queima de combustíveis fósseis (gás natural, petróleo e carvão) e da biomassa (lenha). Quando queimamos combustíveis fósseis e biomassa, o principal gás liberado para a atmosfera é… o dióxido de carbono. Com isso, desde o final do século XVIII, já aumentamos mais de 45% a concentração de CO2 na atmosfera do planeta e aumentamos mais de 1oC a temperatura média da Terra. 

Tanto o processo físico quanto o risco que o aumento antrópico [causado pelo homem] da concentração dos gases de efeito estufa acarreta são conhecidos há bastante tempo. O efeito estufa causado pelos gases da atmosfera foi corretamente descrito no final do século XIX, e o risco de, pela ação humana, elevarmos a concentração de CO2 na atmosfera, aumentando assim a temperatura global, cogitado pelo menos desde a década de 1970.

A consciência desse risco, aliás, fez com que, durante a “Conferência sobre o Meio Ambiente do Planeta,” organizada pela Organização da Nações Unidas (ONU) e realizada no Rio de Janeiro em 1992 (Rio92), fosse acordado o texto da Convenção do Clima (UNFCCC, do acrônimo em inglês). Um dos parágrafos do texto diz que o objetivo da UNFCCC é “alcançar… a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático”. A partir de então, os países que ratificaram a Convenção do Clima, Partes da Convenção, no jargão da ONU, passaram a se encontrar regularmente para avaliar os resultados e acordar os próximos passos nas chamadas “Conferências das Partes”, como explicado acima.

Se, por um lado, tenta-se, desde 1992, evitar a interferência antrópica perigosa, é fato também que 50% de todas as emissões de CO2 da queima de combustíveis fósseis, desde 1750, aconteceram a partir de 1994, deixando claro que os esforços para reduzir emissões até agora foram insuficientes, para dizer o mínimo.

Mas, afinal, o que precisamos fazer para mitigar o impacto da interferência antrópica no curto prazo? A resposta é: essencialmente temos que reduzir drasticamente nossas emissões de gases de efeito estufa, perseguir uma produção de bens e serviços mais limpa e restaurar florestas.

Como já dissemos, para muitos países essa trajetória na busca de uma economia menos dependente de emissões de gases de efeito estufa pode ser muito complicada com uma transição de alto custo, mas, para outros, pode ser uma grande oportunidade.

No caso brasileiro, a primeira oportunidade vem do fato que nossas maiores emissões vêm do desmatamento ilegal (sim, ilegal!) de florestas. Então, temos a opção de reduzir muitíssimo nossas emissões ao simplesmente fazer cumprir a lei, sem falar de todas as outras enormes vantagens em se proteger nossas florestas naturais.

Segunda oportunidade: para aqueles que têm uma matriz energética com maior participação de energias renováveis, como é o caso do Brasil (aqui elas representam mais de 40% do total das fontes energéticas, enquanto a média mundial fica abaixo de 12%), todos os produtos e serviços já são oferecidos em um patamar mais limpo. E que pode melhorar se explorarmos melhor nosso enorme potencial de fontes renováveis de energia.

E, finalmente, a terceira grande oportunidade: temos vastas áreas disponíveis para reflorestamento, como deixa claro nossa Política Nacional de Mudanças Climáticas que prevê a restauração de cerca de mais de 25 milhões de hectares de florestas e pastos degradados.

Por tudo isso, espero que a COP26, com importante participação do setor privado e da sociedade civil brasileiras, sirva como indicação clara de que queremos e buscamos um futuro mais limpo e um desenvolvimento mais sustentável. Para benefício da humanidade. E do Brasil.